Todo ser humano viveu, vive ou viverá algum tipo de conflito familiar que o levou a uma ruptura. E quando nos referimos a este tipo de conflito, não estamos falando apenas em divórcio, partilha de bens e guarda de filhos. Todos nós já vivenciamos ou pelo menos temos notícias de confusões familiares entre irmãos, pais e filhos, filhos e pais, entre tios, primos e assim por diante. E são exatamente esses conflitos que possuem um maior potencial ofensivo, podendo inclusive serem classificados como os conflitos mais dolorosos, aqueles que mais impactam a vida das pessoas porque funcionam como uma ferida aberta, que arde sem cessar e acompanha o ser onde quer que ele vá.
O mais triste de tudo isso é que conflitos familiares podem atravessar gerações, impactando a convivência de membros da família que em muitos casos não têm a menor ideia do que aconteceu no passado e que impede a convivência. Por exemplo, pode acontecer de se ter notícia de que um primo que parece até ser gente boa, mas que por causa de conflitos ocorridos em gerações passadas, hoje eles vivem completamente apartados, ou seja, é um ciclo de ódio e desamor que se perpetua no tempo.
Uma pesquisa realizada pela Universidade de Cornell nos Estados Unidos e conduzida pelo Dr. Pillemer lança luz sobre essa realidade e aponta as seis principais causas desses rompimentos familiares, são elas:
- Problemas do passado: o Dr. Pillemer se refere a problemas que aconteceram na infância, ou na adolescência e que acompanham a pessoa ao longo da vida familiar e cita como exemplos os casos de abuso ou negligência física ou emocional, preferências dos pais em relação a um(a) determinado(a) filho(a), etc. Ou seja, são conflitos que se desenvolvem ao longo dessa construção familiar.
- As sequelas do divórcio: essa causa se refere às relações tóxicas entre os ex-cônjuges, alienação parental entre outros fatores que refletem nos filhos as consequências do divórcio, que se alongam desde a infância até a vida adulta, podendo inclusive comprometer o futuro dessas crianças, visto que em alguns casos se afastam dos pais e às vezes esse afastamento também atinge os irmãos.
- Problemas com familiares do cônjuge: esses conflitos acontecem envolvendo um ou outro que faz parte do casal, ou os dois ao mesmo tempo, tendo esses conflitos relação com cunhados(as), ou sogros(as), podendo inclusive levar ao rompimento das relações do casal com esses familiares envolvidos. Esse tipo de conflito impacta severamente a vida do casal e seus descendentes.
- Conflitos causados por dinheiro e herança: esse tópico não necessita de maiores explicações.
- Frustração de expectativas: as relações familiares são construídas em cima de expectativas criadas pelas pessoas que fazem parte do grupo familiar e isso leva à elaboração de regras que regem a vida em grupo. Assim, quando algum membro do grupo viola essas regras, o conflito emerge.
- Diferenças de valores e de estilos de vida: quando os valores morais de um membro da família não condizem com os valores e a visão de mundo do(s) outro(s) dispara o gatilho para que ocorra o conflito, uma vez que em alguns casos essas diferenças são irreconciliáveis.
Ao observarmos esses apontamentos do Dr. Pillemer, tenho certeza que cada um de nós pode identificar que, pelo menos um desses aspectos, teve o poder de gerar um conflito, seja em nossa própria família ou na família de alguém conhecido. A boa notícia é que o pesquisador informa que há sim, chances de resgatar vínculos que foram perdidos nesses tipos de conflito. Obviamente que nem sempre é possível, mas o importante é que existem chances.
Então, se houver possibilidades de restabelecimento de vínculos afetivos no âmbito familiar, não desperdice essa oportunidade, pois nessa mesma pesquisa foi constatado que as pessoas que não tiveram essa chance vivem hoje apartadas de suas famílias carregando consigo essa dor ao longo de suas vidas.
É bem verdade que em muitos casos o restabelecimento de vínculos é impossível ou é muito difícil, pois ainda estão presentes a raiva, a mágoa, os ressentimentos. Nesses casos, vale lembrar que o cultivo desses sentimentos é prejudicial para quem os carrega dentro de si porque de tão pesados, eles impedem a pessoa de seguir adiante, de tocar sua vida, de virar a página. O que deve ser feito? Não há receitas para superar essas dores, mas tentar separar os fatos das pessoas, ser generoso(a) consigo mesmo(a), colocar o foco no aqui e agora, traçar uma rota para daqui em diante são passos preciosos para a retomada da própria vida em busca de novos horizontes, sentidos e significados.
Por: Drª. Larissa Reis (OAB/SP Nº. 359.225) e Drª. Mara Lúcia Nunes (OAB/SP Nº. 173.973).