Como bonecos hiper-realistas oferecem uma válvula de escape para adultos em busca de afeto
Em um mundo onde a parentalidade é cada vez mais desafiadora, os bebês reborn surgem como uma alternativa peculiar. Esses bonecos hiper-realistas não são meros brinquedos, mas sim dispositivos terapêuticos que permitem aos adultos explorar suas emoções sem as exigências de uma criança real. Neste artigo, analisamos o fenômeno dos bebês reborn e suas implicações sociais.
A Função Social dos Bebês Reborn
Freud explica. Mas Lacan complica. E o capitalismo embala em suaves prestações. Estamos vivendo tempos tão sofisticadamente insanos que já não são mais as crianças que brincam de boneca. São os adultos que precisam brincar de maternidade/paternidade para não explodir seus recalques nas crias reais.
Os bebês reborn — aqueles bonecos hiper-realistas que parecem recém-nascidos em formol — não são mais brinquedos. São dispositivos terapêuticos, válvulas de escape para adultos emocionalmente atolados, que, em vez de “curar a criança interior”, preferem criar uma criança de borracha que não responde, não grita, não exige Wi-Fi nem questiona a existência. Um bebê ideal: sem pirraça, sem birra e, sobretudo, sem subjetividade. A utopia da parentalidade higienizada.
Engana-se quem pensa que se trata de pura loucura. Trata-se de um sublime gesto ético! Um avanço civilizatório! Sim, porque talvez seja melhor que alguns adultos brinquem de cuidar do boneco do que projetem suas neuroses, seus traumas e suas frustrações nos filhos de carne e osso que esperam apenas um pouco de afeto e algum pacote de biscoito recheado.
As estatísticas não mentem: a maioria das violências contra crianças parte de quem deveria protegê-las. Pais, mães, padrastos, madrastas e outros espécimes do arquétipo “adultus perturbatus”. É nesse cenário que o bebê reborn se ergue como herói silencioso, mártir de vinil. Ele absorve o grito reprimido, o tapa que não veio, o berro que ecoaria no quarto de uma criança real.
Ironia e Salvação
É nesse contexto que os bebês reborn surgem como ironia e salvação. Ironia, porque representam o ideal impossível: um filho perfeito, dócil, sem autonomia. Salvação, porque deslocam o desejo de maternagem ou paternagem para o inofensivo. São os bebês que acolhem sem exigir, que calam sem trauma, que existem sem incomodar.
Me dei conta: talvez essas bonequinhas de vinil sejam, na verdade, heroínas silenciosas. Substitutas divinas. Sacrifícios de silicone que se colocam no altar da futilidade para salvar as crianças reais de um destino ainda mais absurdo — ser filho de um influencer emocionalmente ausente, cujo maior compromisso é com a própria “estética de feed”.
O Papel da Terapia
Bem-vindos ao admirável mundo novo onde bonecos salvam crianças. E onde adultos são os que brincam de “faz de conta”. Faz de conta que têm paciência. Faz de conta que amam. Faz de conta que estão preparados. Mas o espelho da vida real é cruel, e quando o reflexo da própria imaturidade começa a gritar no berço às três da manhã, nem todo mundo segura o tranco.
Há quem critique, dizendo que esses adultos deveriam buscar terapia. Mas sejamos realistas: terapia exige escuta, reflexão, processo. O bebê reborn, por outro lado, está ali pronto, à venda, em até dez vezes sem juros no cartão. E já vem com cheirinho de talco. Muito mais acessível que o Lacan.
Conclusão
Em tempos líquidos, como diria Bauman, o reborn é sólido. Firme. Inquebrável. E, sobretudo, silencioso. Um bebê que nunca diz “não quero brócolis”, “você está sendo tóxico”, ou “não me chame de princesa”. É o filho ideal para quem não suporta o filho real.
Por isso, deixemos os reborns com esses adultos perdidos em sua própria infância mal resolvida. Talvez eles, esses bonecos tão quietos e falsamente serenos, sejam os verdadeiros anjos da guarda das crianças reais que nasceriam solicitando cuidado. Aquelas que, por sorte, estão sendo poupadas do convívio com certos pais.
No fim, os bebês reborn não são brinquedos. São escudos. Escudos que salvam os pequenos de serem criados por quem nunca cresceu.
Os bebês reborn representam uma nova faceta da parentalidade contemporânea, onde a busca por afeto e cuidado se desvia para uma realidade alternativa. Ao invés de substituírem as crianças reais, esses bonecos oferecem uma forma de proteção para elas, ao mesmo tempo que refletem as complexidades emocionais dos adultos de hoje.
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Fonte: Renato de Faria – Filósofo, Doutor em educação e mestre em Ética, Professor
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