quinta-feira, 12 dezembro, 2024
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Afinal, Por Que Estamos Tão Estressados?

Trânsito, trabalho, faculdade ou casa: o estresse é uma constante

O estresse está presente em tantos momentos do cotidiano que, imersos na correria, é difícil até perceber sua frequência. Esse sentimento é normal e, quando esporádico, não necessita de investigação; no entanto, a constância é um sinal preocupante. Nesta reportagem especial, Carla Ramalho (@notrabalho) e Aline Barbosa (@maecrespa) compartilham seus relatos sobre burnout e estresse.

Dados sobre o estresse na população

Para entender a situação em nível nacional, a pesquisa Stress no Brasil 2022: a herança da pandemia da Covid-19 mapeou os índices de estresse na população brasileira. Em 2020, mais de 60% dos respondentes relataram problemas com estresse. Já em 2022, um quarto da população vivia estressada. Embora tenha havido uma melhora, os números ainda se aproximam das médias anteriores à pandemia, quando as pesquisas foram realizadas em 2013 e 2017. Os principais fatores citados foram instabilidade política, dificuldades financeiras, medo da falta de controle do futuro, além da sobrecarga de trabalho e responsabilidades familiares.

Globalmente, o agravamento dos índices gerado pela pandemia em 2020 é alarmante, mas a questão do estresse não é recente. Desde 2010, a preocupação e o estresse estão em crescimento na população, conforme os dados do levantamento Gallup Global Emotions, que analisa sentimentos negativos em diferentes países há 15 anos. Segundo os dados brasileiros, a sensação de estresse pode acompanhar outros problemas, como ansiedade e pânico. Na pesquisa, ambos os problemas estavam mais presentes entre aqueles que relataram estresse. Essa associação pode ser um sinal de que algo mais sério, como depressão e burnout, esteja em jogo. Com um sentimento tão rotineiro, surge a necessidade de perguntar: afinal, por que nos estressamos?

Problemas do cotidiano

Levar as crianças à escola, responder e-mails, gravar vídeos, organizar a casa e preparar o almoço — tudo isso em um curto espaço de tempo e simultaneamente. Quando algo quebra essa lógica programada, o estresse e a irritabilidade emergem. A aceleração do cotidiano esgota tanto física quanto emocionalmente, e não há espaço para pausas: é necessário produzir de forma ininterrupta.

A rotina de Aline Barbosa, de 34 anos, exemplifica essa situação. Mãe solo de quatro filhos, influenciadora digital, podcaster e palestrante, ela compartilha seu dia a dia nas redes sociais para cerca de 25 mil seguidores. “Eu sempre falo: nem eu sei como dou conta”, comenta.

A desbalanceada equação de educar os filhos não é exclusividade de Aline. A sobrecarga feminina é um fenômeno comum, e as mulheres dedicam quase o dobro do tempo em comparação aos homens aos cuidados de pessoas e tarefas domésticas — são 11,7 horas semanais para eles, enquanto elas dedicam 21,3 horas. Esses dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua 2022, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Sem direito à pausa

O pensamento de que não poderia parar levou Aline ao esgotamento mental há três anos. “Por ser mãe solo, eu não negava trabalho. Todas as demandas que me eram apresentadas eu aceitava, pois precisava manter a casa e cuidar de quatro crianças. Isso me gerou um estresse muito grande e me levou ao burnout”, relata.

Desenvolver a síndrome é um risco comum na rotina estressante. Segundo estimativas da International Stress Management Association (Isma-BR), 32% da população economicamente ativa no Brasil apresenta sintomas de burnout. Cansaço excessivo, negatividade constante, isolamento e sentimentos de fracasso são alguns dos sinais mentais do problema. A lista, elaborada pelo Ministério da Saúde, também inclui questões físicas, como pressão alta, dor de cabeça e alterações de batimentos cardíacos.

Para Aline, foi necessário reorganizar suas emoções para conciliar as múltiplas funções sem gerar sobrecarga. Na época, parar não era uma possibilidade, mas atualmente, ela busca alternativas para diminuir o estresse — e, consequentemente, as chances de reviver o episódio que marcou seu passado. “Busco ver o lado positivo, me cobrar menos e entender que imprevistos e contratempos acontecem, tanto na maternidade quanto no trabalho”, sintetiza. Como parte de sua rotina, Aline organiza o dia para evitar problemas, mantendo sua agenda atualizada e os alarmes do celular ativados para lembrar dos compromissos.

Cuidar de si

A lucidez sobre a criação dos filhos e a necessidade de reorganizar o trabalho não se tornou evidente de forma aleatória. Foi necessário enfrentar problemas de saúde para que cuidar de si se tornasse uma prioridade. Atualmente, Aline inclui sessões de terapia e exercícios físicos em sua rotina. Sair para tomar um café sozinha ou encontrar amigos e ser “apenas a Aline” também a ajuda a equilibrar seu dia a dia. “Se toda mãe tiver um tempo para si, a maternidade pode ser menos pesada”, comenta.

O estresse nas crianças

O estresse não é um sentimento restrito aos adultos e pode surgir em qualquer fase da vida, incluindo a infância. Com quatro filhos de idades distintas — Laura, de 14 anos, Vicente, de 9, Joaquim, de 7, e Antônia, de 4 — Aline enfrenta essa situação em diferentes fases. Aprender a lidar com a frustração na infância é um desafio para as famílias. A reação natural pode ser a recusa em aceitar que a criança expresse essa emoção. No entanto, o caminho oposto é mais benéfico: permitir que os filhos expressem o que sentem fortalece o vínculo afetivo familiar. “Eu aprendi que as crianças também têm esses momentos e que a melhor forma de lidar com isso é a conversa”, conta.

Esgotamento mental de Carla Ramalho

Carla Ramalho construiu uma carreira consolidada no marketing de empresas de beleza. Com o tempo, o cansaço e a sobrecarga sinalizavam que algo estava errado. Durante uma consulta médica, a indicação de buscar um psiquiatra foi dada e, então, ela recebeu o diagnóstico: burnout. A profissional optou por pedir demissão para reestruturar sua vida.

Por meses, mesmo após deixar a empresa, as sequelas foram intensas, e os gatilhos eram diversos — o som da ligação de vídeo-chamada era suficiente para despertar reações negativas. Foi necessário tempo para que os recursos terapêuticos e as emoções se organizassem. Hoje, familiares e amigos ajudam a sinalizar quando os limites estão sendo ultrapassados. A sensação é de que o problema pode se repetir e, por isso, a atenção aos sinais do corpo é fundamental.

Consciência e limite

Falar sobre burnout é doloroso, mas necessário para alertar outras pessoas, afirma Carla em um de seus vídeos. Nas redes sociais, com o @notrabalho, a profissional conta com mais de 450 mil seguidores, onde compartilha conteúdo sobre beleza, marketing e carreira, e já alcançou a marca de três milhões de curtidas no TikTok.

A construção da carreira exige vários sacrifícios: às vezes é necessário morar longe do lugar dos sonhos, o tempo livre é escasso e, em algumas ocasiões, acumular horas extras é preciso. Para Carla, o fundamental é entender qual meta profissional está por trás das decisões. Após sua jornada pessoal de esgotamento, o caminho do meio parece ser o mais correto: alinhas expectativas e ambições de carreira para que os resultados não desapontem e as concessões, desde que conscientes e saudáveis, possam valer a pena.

A hora de pausar

Quando recebeu o diagnóstico, Carla analisou sua situação emocional e financeira e decidiu pedir demissão. Essa decisão brusca só foi possível devido ao planejamento financeiro que mantinha. Para quem deseja parar, ter alternativas é necessário. A profissional sugere que manter hobbies que possam ser monetizados em caso de desligamento pode ser uma estratégia válida. “Quanto mais mecanismos que te deixarem seguro, melhor”, sintetiza.

Lado inverso

Após a pausa na carreira, Carla inverteu seu papel na equação e se tornou empresária. Agora, as preocupações com os limites se estendem aos colaboradores que contrata. “Hoje eu defino as regras do jogo na minha empresa. Tento fazer pelos outros o que eu esperava que fizessem por mim”, comenta.

Priorizar uma relação mais leve não impacta apenas o relacionamento da equipe, mas também o fluxo de produção. “A produtividade está ligada ao quanto a ‘máquina roda bem’ e não ao quanto você trabalha de maneira ininterrupta.”

Como estratégia, Carla adota algumas precauções no escritório para impedir que esses problemas retornem. Desabilitar notificações após o horário de trabalho, não levar o notebook para casa e ter reuniões objetivas, com limitações de tempo, são parte das medidas implementadas.

A gestão de pessoas

No novo ambiente, também foi necessário aprimorar a gestão de pessoas. “É preciso falar o que você quer, do jeito que o outro quer ouvir”, exemplifica. A liderança horizontal, que proporciona abertura para a expressão da equipe, é um fator que contribui para um bom ambiente de trabalho.

De onde vem o estresse?

“O estresse é uma reação física, mental e emocional que ocorre quando enfrentamos uma pressão maior do que podemos suportar”, explica a psicóloga e mestre em Psicologia Social, Charlotte Spode. Segundo a especialista, o estresse é um sinal de que algum limite foi ultrapassado.

A sensação de estresse é normal e faz parte do cotidiano em diferentes áreas da vida — seja na família, com amigos, no trabalho ou em hobbies e atividades de lazer. O alerta deve ser aceso, no entanto, se o problema se intensificar ou estiver acompanhado de outros sentimentos negativos.

Charlotte observa que a questão do estresse aumentou na sociedade à medida que os estímulos se multiplicaram e o mundo se tornou mais acelerado. Lidar com o excesso de demandas em um curto espaço de tempo é complexo para a mente humana, e o corpo paga a conta: estresse, cansaço e fadiga são alguns dos sintomas que podem fazer parte do dia a dia. A crença de que precisamos produzir constantemente também provoca problemas, aponta a especialista.

Na outra ponta da equação, se não administrarmos bem nossas reações, o estressado pode disseminar o sentimento negativo. Charlotte comenta que a família também acaba por sofrer os impactos do cenário de aceleração do trabalho.

Quando parar?

Se o problema está na velocidade dos acontecimentos e no excesso de demandas, estabelecer limitações é a alternativa. “É importante se questionar: ‘Onde estão meus limites? Do que posso abrir mão e do que não posso?’”, sugere Charlotte. Ter momentos no cotidiano em que você possa parar, se perceber e respirar é uma recomendação da especialista. A pausa consciente é benéfica para a mente e complementa outras ações, como o processo psicoterapêutico. Manter relações saudáveis e realizar atividades físicas são ações que ajudam a controlar o humor e aumentar a expectativa de vida.

Estresse: um problema feminino?

Na pesquisa Stress no Brasil 2022: a herança da pandemia da Covid-19, as mulheres relataram o problema mais frequentemente do que os homens — com prevalência de 25,2% entre o público feminino, contra 16,8% entre os homens. O histórico do levantamento confirma essa tendência nos anos anteriores. A psicóloga Charlotte Spode aponta alguns motivos para essa diferença: “É evidente que as mulheres enfrentam uma sobrecarga maior com a casa e os filhos. Embora essa não seja uma obrigação natural, existe uma cultura que delega a elas esse papel”, sintetiza.

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua 2022 corroboram esse cenário. No comparativo entre trabalhadores, as mulheres ocupadas dedicaram quase sete horas a mais do que os homens aos cuidados do lar e de pessoas. Em números totais, apenas 80,8% dos homens contribuem, de alguma forma, para essas tarefas, enquanto 92,1% das mulheres o fazem. Diante desse contexto de sobrecarga, Charlotte recomenda: “É preciso parar e se questionar: ‘quais direitos meus não estão sendo respeitados dentro da minha própria família?’”.

Enfrentamento do estresse

O levantamento brasileiro indica algumas das formas mais comuns de enfrentar o estresse. Procurar meios para lidar com o problema é a decisão mais popular, adotada por 43% dos respondentes. Na sequência, fazer exercícios físicos, conversar com amigos e assistir TV são escolhas de cerca de 39% do público. Para 34%, buscar um psicólogo é uma alternativa. Por fim, cerca de 33% também sinalizou rezar, orar ou fazer meditação para lidar com o sentimento negativo.

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